quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

SER HONESTO, DIRETO E VERDADEIRO TE ISOLA DO MUNDO

Passo a maior parte das horas de cada dia sozinho. Não por opção de escolha, mas porque tanto eu quanto os demais integrantes da casa tem lá seus compromissos. Ficar sozinho portanto, não é a mesma coisa que estar sozinho, muito embora isso tudo se pareça e tenha algo em comum. Também carrego no meu “chip” desde muito antigamente essa coisa de estar isolado, não porque não goste das pessoas, mas por uma seleção tipicamente natural que me faz, de bate pronto, enxergar a aura do outro e num relance tenho comigo uma espécie de ficha completa da pessoa. Verdade que as vezes me engano, mas isto é culpa dessa coisa chamada benevolência. Em suma; descobri que não se pode ser muito bom e nem bom o tempo todo. É preciso fazer escolhas para expor a atitude da bondade, do contrário, os outros vão achar que você é um bobo, um ingênuo. Voltando à aparente solidão de cada dia, passo minhas manhãs em pequenas atividades em casa e vez ou outra saio para resolver um problema ali no banco ou para comprar algo necessário. As vezes pego os cachorros e vamos dar uma passeada pelas ruas do bairro... Quando venho ao trabalho, me instalo numa sala de tamanho razoável. 
Ficamos ali eu e meu computador. Tem um aparelho de tevê, mas raramente eu ligo. Então tudo o que preciso desenvolver é feito numa ótima atmosfera de silêncio, o que permite maior atenção a todos os dados envolvidos. Vez ou outra aparece alguém para fazer uma pergunta ou pedir alguma coisa. Só isto! Quando me dirijo ao refeitório já é meio tarde, a maioria já devorou quase tudo e então eu me alojo numa mesinha, prato feito, copo de suco e ali mastigo sossegadamente tudo aquilo enquanto os pensamentos viajam na distância. As vezes coloco em dia parte da minha agenda e noutras fico imaginando possibilidades de dar uma melhorada em alguns setores da vida, mas por ora, nada a reclamar. As vezes esta aparente solidão na hora do rango é quebrada com a chegada de algum colega atrasado. Então temos um rápido diálogo e por fim, cada um para seu canto. Quando venho para o trabalho e quando volto para casa é sempre sozinho. Na verdade é eu e meu carro, meu abençoado carro que, dentro da sua simplicidade, tem a capacidade de me levar e me trazer com certo conforto. Ah! O rádio é ligado, mas trata-se de um pen drive com minhas música favoritas. Esses trajetos com trilha sonora são o bálsamo para a alma, para a inspiração que até a mim surpreende muitas vezes. Então deparo com um estudo que diz que, se você é capaz de ser 100% honesto, há uma alta possibilidade de você ser deixado sozinho e sem amigos. E isto porque existem pessoas, como é o meu caso, que sempre dizem o que pensam e sentem, que as tornam honestas e diretas, e tal atitude nem sempre é bem recebida por todos, mesmo a gente acreditando ser isto uma virtude. Não me surpreende nem um pouco afinal; vivemos tempos sombrios onde honestidade, transparência e confiabilidade são apenas palavras bonitas impressas no dicionário. O tal estudo diz ainda que as pessoas diretas, que preferem a verdade, acabam sempre isoladas e não seria diferente, até porque a maioria das pessoas querem que você lhes diga o que elas querem ouvir e dai; quando você as contraria dizendo a verdade, elas o eliminam da sua agenda. 
Em sendo assim, não é muito legal a gente ser sincero, porque a sinceridade( outra palavra bonita lá no dicionário) é uma faca de dois gumes e por causa dela, a gente fica sozinho. Uma ocasião estava eu na Rua das Flores em Curitiba no final do ano, época em que se realiza aquele magnífico coral com as crianças. Na época ainda era o Coral do Bamerindus (o original) e eu fiquei ali entre umas 5 mil pessoas, eu acho, assistindo o espetáculo e deixando rodar na cabeça um filme sobre a própria existência. Ao término do show, aquela gente toda começou a se movimentar entre lágrimas, sorrisos, abraços essas coisas todas que mais expressam entre as pessoas o desejo de encontrar a si mesmas. E eu ali, encostado num poste observando aquilo tudo e em total silêncio. Não havia um conhecido e nenhum estranho estaria disposto a falar com outro estranho encostado no poste para evitar que ele de repente viesse a cair. Eu lhes digo de coração aberto: naquele dia eu fiz a maior descoberta da minha vida. Eu descobri que eu precisava e portanto, preciso até hoje e para sempre, estar em companhia do sujeito mais legal que já nasceu: eu mesmo! E os outros? Quem são os outros? O que desejam os outros? Os outros vêm depois. Eles têm importância na nossa vida, principalmente os mais próximos. Mas, sem egoísmo, primeiro a gente, porque tanto eu quanto você, que somos únicos, lembrado somos pelos “outros” quando precisam de alguma coisa. E o mais triste é que quando a gente parte, e eu já vi de perto exemplos, as lembranças vão ficando escassas, as fotos vão saindo sutilmente da estante e muitas das coisas que se tinha vão partindo para outras mãos ou para o lixo mesmo. Então, estou me lixando para a solidão, para o isolamento, para o descontentamento por parte de pessoas que não aceitam a realidade. Veja bem; eu disse REALIDADE, porque da VERDADE nem eu sou sou dono. Cada dia que nasce eu vou à escola, eu aprendo lições novas, eu analiso, eu esmiúço e então eu faço conclusões acertadas. As vezes algumas pessoas me perguntam como é que eu consigo levar a vida numa boa, não engordar, dar boas gargalhadas, manter as finanças em dia, essas coisas. 
Não tem como ofertar uma resposta direta, porque absolutamente ninguém me pergunta sobre os desertos que atravessei sem camelo, das tempestades que encarei, das dores físicas e emocionais que tive que contornar e de uma força esplêndida que consegui extrair do âmago para sobreviver. Então; em sendo assim, me glorifico pela luta, pelas leituras de bons livros, pelos estudos em diferentes áreas, pela análise do comportamento humano nas ruas, nas lojas, no trabalho, por ai afora. Eu não vou dizer aqui SOU MAIS EU porque seria muita arrogância. Eu vou dizer simplesmente SOU EU porque EU e apenas EU é que sabemos o quanto a solidão incomoda ou não. O quanto o afastamento de pessoas incomoda, ou não. O quanto ser colocado de lado incomoda, ou não. De tudo, de todos e desses estudos e pesquisas por ai a conclusão definitiva é única e exclusiva: Cada um deve seguir a sua verdade, a sua vontade, os ensinamentos que adquiriu ou teve acesso. Mas as vezes, debater questões numa boa pode ser mais produtivo do que simplesmente achar que a sua verdade é a única que vale. E viva a solidão, o silêncio e a profundidade da inspiração!! 
(P.B.J. 13/02/2020)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

TRAVESSAS & TRAVESSIAS & LEMBRANÇAS & CANÇÕES

Todo ano, desde 2016, participo do Concurso de Linguagens Culturais promovido pela Secretaria de Cultura de São José dos Pinhais-PR. Uma vez adotada a cidade para moradia, me tornei tão sãojoseense quando aos que aqui nasceram, exemplo de minha filha Paula. Como fiel morador, a paixão pela cidade é bem antiga, muito antes de sonhar com a possibilidade de um dia por aqui se estabelecer, logo eu que na maior parte do tempo fui um desses mascates a mudar de casa e de bairro por incontáveis vezes. Verdade que de Curitiba ainda perdura minha paixão e saudade pelo Prado Velho onde, confesso do fundo coração, vivi a melhor infância que alguém poderia ter vivido. Bem; voltando ao concurso, em três ocasiões conquistei colocações expressivas sendo; um primeiro lugar em conto, um primeiro lugar em crônica e um segundo lugar em outro conto que nem te conto. Premiações na forma de troféu, todos dispostos na minha estante e em vários exemplares de livros conferidos pela Biblioteca Scharffenberg de Quadros. 
Para quem não sabe, Reinaldino Antônio Scharffenberg de Quadros era poeta e nasceu em 21 de janeiro de 1878, nesta querida São José dos Pinhais que na época ainda tinha apenas 25 anos de existência. O poeta deixou esta vida em 18 de maio de 1919 lá na cidade do Rio de Janeiro. Neste aparato de livros recebidos como premiação(e como é bom a gente ganhar livros) veio uma obra maravilhosa intitulada “ Travessas & Travessias”, com textos do saudoso jornalista Carlos Alberto Pessoa, fotografias de Charly Techio e Tânia Buchmann e Design Gráfico de Luiz Postal com prefácio do ex-prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, até porque o Nego Pessoa escrevera sobre as mais famosas, conhecidas e desconhecidas travessas da cidade. Eu tinha ouvido falar sobre a obra editada e lançada em 2013, e fiquei feliz quando ela me chegou às mãos na forma de um duplo prêmio, porque se algumas travessas de Curitiba eu passei, outras nem sabia da existência. Leitura para uns 20 minutos, por ai, com belas fotos em preto e branco que bem demonstram a fidelidade de cada local ali descrito. O Carlos Alberto Pessôa (com chapeuzinho, como ele costumava falar) nos deixou em 2017 e também deixou muitas obras de seus escritos maravilhosos com suas tiradas ao melhor estilo dos atacantes no futebol e com sua língua tão afiada que era capaz de dar cabo do mais pirotécnico dos dragões. 
Conheci o CAP quando ainda começava a gatinhar neste mundão do rádio, tevê e jornais e sinto apenas não ter podido ter tido mais contato com ele e com tudo o que sabia fazer de melhor que era escrever. Nesta obra “Travessas & Travessias” que evidentemente existe à disposição dos interessados na Biblioteca Scharffenberg de Quadros aqui em São José dos Pinhais e também na Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba você terá encontro com a imagens que, a exemplo de cartões-postais eternizam as paisagens descritas e, ao mesmo tempo, vai aprender com o poeta, com o jornalista e com o observador tão comum que, ao nosso redor existe sempre o palpitar do passado tentando captar as notas do presente. Mas ao final; uma música nova desencanta e o mundo todo canta! (P.B.J. 05/02/2020)

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

O MALDITO CALENDÁRIO

Chegou sorrateiro em frente ao portão e sem fazer cerimônias foi entrando com passos devidamente calculados. Porta entreaberta, empurrou cuidadosamente para não quebrar o silêncio, mas as dobradiças cansadas deram aquela famosa chiada e o sujeito que dormia acordou de sobressalto. -Quem está ai? -Sou eu! -Eu quem? -Fevereiro meu camarada! -Fevereiro? Mas já é a tua vez de comandar a orquestra dos dias? - Claro meu brother; então achava você que ia se eternizar neste cargo? - Bem; até que eu ansiava por merecidas férias, mas passou tão depressa... - Você é que pensa! Seus dias se arrastaram feito correntes em castelo mal assombrado. Aliás; teus dias foram uma assombração completa. -Não exagera! Tive dias ensolarados, gente curtindo a praia, pessoas comemorando o início do novo ano regados a champanhe e espumantes e... -Chega! Chega! Chega! - Você não está batendo bem da cachola meu nobre Janeiro. Veja lá; teus dias foram repletos de tragédias. Aguaceiro sem fim carregando tudo. E gente que já não tinha nada acabou perdendo tudo o que achava que tinha. Sem contar com esse vírus ai, o tal de Corona que pegou carona no lombo dos burros que conduziram esses teus dias insólitos. - Ah! Mas essas coisas são tão comuns ao longo de cada mês... - Pode até ser, mas todo ano quando você assume a orquestra é um desastre só.
Aliás; desastre sempre anunciado. Eu não vou te culpar ferrenhamente, porque nós sabemos que as pessoas é que criam esses problemas, em sua maioria, é bem verdade. -Tá vendo? Você tem que considerar que não foi tão ruim assim. - Pois é meu caro; mas a orquestra sob meu comando é sempre mais agradável a este povo sofrido. Aliás, esse povo sofre por 13 meses a cada ano. - Que é isso? Inventou um mês a mais? -Lógico meu caro. Os bancos, as escolas particulares, os serviços em geral já inventaram o décimo terceiro mês faz muito tempo. É a maneira sutil de enganar uns aos outros. Em sendo assim, o povo sofre treze meses e se diverte em apenas um, que evidentemente é o que eu comando no melhor estilo desses Djs mundão afora. -Ah! Tá bom então. Mas cuidado com essa referência ao treze. Não é um número bem visto, tanto no folclore popular quando nas lides políticas. Qualquer coisa ligada ao treze pode te deixar em maus lençóis... -Que se dane! Quem acredita em número do azar, gato preto e milagre de igreja precisa de tratamento psiquiátrico. A realidade é outra! -E qual é a tua realidade? - Oras! Eu sou fevereiro, o mês do elixir da vida. -Tá de brincadeira? Como assim? - Veja lá; quem nasceu no dia 29 sob meu comando, só faz aniversário a cada quatro anos. Quer mais vantagem do que esta? Se todos os demais aniversariam todos os anos, o sortudo do dia 29 do meu mês sempre vai estar mais novo, mais robusto, cheio de energia para curtir a minha festa maior, o carnaval, com o Rei Momo, a Rainha, o Trio Elétrico, os Blocos, as Escolas de Samba e muito love, só love, só love. E além disso, quando novembro fizer gargarejo para seu discurso de posse, terá de minha parte a entrega de todos aqueles rebentos originários das loucuras mais tesudas de norte a sul. - Ôpa! Menos ai. Tem camisinha, pílula, pílula do dia seguinte, Diu... - Quá, quá, quá... Tá por fora mermão. Na hora da forrupa, com uns tragos nas ideias ou coisas mais fortes o povo tá nem ai pra essas coisas e menos ainda para aquelas doenças venéreas. O povo quer é ir ao exagero afinal de contas, é carnaval, a festa da carne onde até vegano cai na folia. -Mas você é bem filho da puta, né? - Ops! Pega leve primo de calendário. Eu não promovo nada disso. Eu sou o mês e os homens é que fazem o festerê. Tô isento de toda e qualquer culpa. E também não tenho aquela aguaceira toda que tudo e a todos carrega como cabeça de água em rio. Ah! E todo mundo tem ainda um motivo para celebrar comigo. Sendo eu mais curtinho, o pessoal recebe o salário mais cedo, gasta mais cedo também, mas é ai que entra aquilo que te disse; que sou o mês da celebração e da alegria. Os outros doze meses é de luta, sofrimento, impostos, empréstimos, filas na lotérica, no banco, no posto de saúde, na vaga de emprego e por ai vai. O resto do ano é tempo de fila, inclusive de fila-boia, porque a coisa tá de um jeito... - Tá bom meu primo fevereiro! Assuma o cargo, coloque sua merecida faixa e tenha dias de um governo sereno, embora agitado pelas festas. Eu me recolho entristecido pelas causas das intempéries, mas a Natureza é justa e quando se revolta... sai de baixo! - Valeu primão Janeiro! Bom descanso e regresse enérgico naquele dia primeiro quando deixam a noite feito um dia e a cabeça feito um pião pelos efeitos etílicos. E tudo isto meu caro, porque querendo ou não, a vida é, foi e sempre será ditada por este maldito calendário. 
(PBJ- Curitiba - 03/02/2020)