Foram apenas 23 dias distante do meu espaço e me pareceram mais de duzentos. Umas férias merecidas após mais um ano de correria típica que envolve nossas vidas.
Neste imenso período, nada de especial a fazer, senão cuidar das crianças e da casa, dando aquelas ajeitadas necessárias que em dias normais ficam sempre à espera.
Pois bem; retornar é sempre uma honra e como sempre, a gente acaba topando com uma gama de temas que poderiam ser abordados. Entre tantos, fiquei esperando uma cutucada do destino e eis que na última terça-feira, 24/07, me peguei diante do televisor assistindo o Profissão Repórter, da Globo.
Como sempre, Caco Barcelos e equipe escolhem um bom tema e escancararam a dura realidade que nos cerca.
O tema de então era a mudança na vida dos catadores que trabalhavam no lixão de Gramacho, no Rio de Janeiro, o maior aterro sanitário da América Latina que foi fechado em junho passado.
O que me despertou interesse em abordar também o tema, foi o surpreendente número de pessoas que lá trabalhavam, vivendo em condições subumanas, debaixo do nariz de toda uma sociedade alheia aos seus dramas de miséria.
Quando na reportagem citaram 1.700 pessoas que foram indenizadas com parcos 13 mil reais confesso que respirei fundo e comecei a rebuscar na mente os tantos filmetes que ficam gravados no “youtube da cachola”, já que o que mais a gente vê pela televisão são as desgraças que assolam as pessoas. Fui sim, dar uma espiada na outra ponta, naquela onde fortunas são surrupiadas dos cofres públicos, desviadas em maracutaias sem fim e que também abrem espaços na televisão com matérias que acabam enchendo o saco da gente.
Fortunas que vão parar nas mãos de larápios de toda espécie e que poderiam, caso o dinheiro público tivesse destino honesto, evitar os tantos dramas da nossa gente que vive abaixo da linha da pobreza e é claro, dessa gente que naquele lixão, por longos anos extraíram seu sustento.
Sem nojo minha gente, porque há mais de 20 anos escuto que o lixo brasileiro é um dos mais ricos do planeta. Pior é que há mais de uma década e meia venho ouvindo e vendo campanhas de reciclagem do lixo e paralelamente, o que a gente vê, é muito lixo nas ruas e nos terrenos baldios de pequenas, médias e grandes cidades.
Mas voltemos ao Jardim Gramacho pouco antes de ser fechado e onde o repórter Felipe Bentivegna mostrou como foram os últimos dias de funcionamento do lixão e as mudanças no bairro que se formou em volta do aterro.
Destaque para o catador Márcio, incumbido de registrar os nomes de todos os catadores para que pudessem receber a indenização. O rapaz, que confessa na reportagem ter abandonado a criminalidade para viver honestamente, nos deixa pasmos ao mostrar onde vive e ao falar que sua mulher quando foi dar à luz ao seu filho foi levada de carona pelo caminhão do lixo- “a ambulância da minha mulher foi o caminhão do lixo”- diz com toda tranqüilidade. Depois da mudança de “casa”, mostra onde irá viver, construindo uma casa com poucos recursos e apresenta ainda um carro que comprou por 3 mil reais e que sinceramente, por uns 900 reais já estaria bem pago. Em suma, o rapaz, tão acostumado a viver no lixão, acabou comprando um lixo sobre quatro rodas.
Brizola e uma cédula de dólar encontrada no lixão. |
Também me chamou atenção o Sr. Brizola, bastante falante, divertido até, que chegou a deixar o repórter Caco Barcelos permitir que ele mesmo desse coordenadas sobre o vídeo, mostrando ter certa noção do riscado. Lá no lixão, Brizola tira o boné, que tem uma bandeira do Brasil, beija e convicto diz: “é a minha Pátria!”. Eu aqui quase choro quando lembro que muitos patriotas não estão nem ai para o povo e muito menos para a Pátria idolatrada. Típicos políticos que permitiram em outros tempos ao saudoso comediante Chico Anysio criar o jargão “ eu quero é poder!”.
Pelo menos o Brizola teve uma boa idéia e com a indenização comprou um carrinho de pipocas.
E a reportagem ainda nos deu um tapa na cara ao mostrar a menina Carol que em sua aparente ingenuidade acalenta o sonho de ser médica, de sair daquele lugar que evidentemente deixará para sempre suas marcas em sua mente.
Ela mostrou na reportagem alguns brinquedos encontrados no lixão, bonecas em perfeitas condições, frutos de uma sociedade, ali do outro lado, agressivamente consumista e que faz do lixo um grande luxo.
A menina Carol. |
Você que também assistiu certamente que sentiu na pele e muitos de nós até repensamos a própria existência, sempre envolta em reclamações de todo tipo. A verdade é que sempre existirão pessoas em situações muito piores e tocando a vida, da mesma maneira que nós o faremos e assim, mais uma reportagem, mais gente sofrida na telinha e mais e mais perguntas que ficarão no ar, até porque, eleições à vista, verbas altíssimas e injustificadas investidas nas campanhas, nesta corrida desenfreada pelo poder que é cego, surdo e mudo e que permite, a cada período eleitoral que muitos políticos se agarrem outra vez em seus gabinetes e que novos aventureiros adentrem pelas portas do poder para, lá também, deixar a vida da população à deriva, como um gigantesco navio fantasma num oceano de ilusões.
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