quarta-feira, 18 de junho de 2008

PARECE QUE FOI ONTEM...


Lembro da antiga estação ferroviária de Curitiba quando os trens por ali chegavam e partiam trazendo e levando pessoas com sonhos distintos.
Não sou tão antigo quanto possa parecer mas neste exato instante, suspiro aquela frase já dita por tantas e tantas vezes através da boca de um outro tanto de pessoas: “parece que foi ontem”...
E naquele tempo, apesar das possantes máquinas à diesel, as maria-fumaças davam conta do recado superando as serras e todas as distâncias.
Lembrar estações!...
Não consigo de bate-pronto lembrar um inverno ou um outono que possam ter sido marcantes. Nem tampouco uma primavera ou verão que tivessem sido diferentes de outras ocasiões. Difícil relembrar estações afinal; do que recordamos mesmo, são das situações que por algum motivo deixaram profundas marcas na alma ou no coração.
Cada um tem lá sua “estação” para relembrar e também poder dizer que “parece que foi ontem”.
Revivendo este inverno que adentra pelos portais, me peguei divagando de um longínquo inverno onde a neve me pegou de surpresa numa manhã de um 17 de julho que agitou toda a cidade.
E não é que parece que foi ainda ontem?
Remexendo nos arquivos que a memória preserva a sete chaves, lembrei também de uma frase dita por alguém e publicada num antigo folheto de propaganda que dizia: “ Curitiba só tem duas estações: o inverno e a rodoferroviária”. O linguarudo maldito na época estava coberto de razão, porque aquela então “Curitiba Branca de Neve” de 1975 comprovava a fama de uma frase mais antiga e bem mais infame: “Curitiba, a fria” – dita e escrita por algum curitibano nato, daqueles sisudos, que não dão bom dia – que não dão informação a estranhos, que não conhecem nem o vizinho da porta da frente do apartamento. Bem; me perdoem esse curitibanos provincianos e antiquados que de tantos, restam uns gatos pingados ainda, resistindo ao inchaço desta capital tão propagada pelas oportunidades de bons negócios e tantos empregos que jamais aconteceram. Coisas dos melindres da política que contribuíram para inúmeras invasões, inúmeras favelas, inúmeros problemas cujos processos se avolumam nas tantas delegacias da cidade e de sua imensa região metropolitana, vitima da propaganda eleitoreira e que hoje a todos assusta pela violência impiedosa que acabou com o nosso sossego de poder passear na Praça Tiradentes com total segurança.
Lembrar estações!... É como desembarcar num desses estágios da existência e olhar para trás. Primeiro para que se possa ver o que a gente fez com a nossa própria caminhada e depois, para comprovar o que os outros fizeram que resultou numa linha morta – aquela onde o trem, depois de velho e sucateado é esquecido e abandonado até ser derretido numa siderúrgica para virar um ferro qualquer e deixar assim, consumir nos caldeirões daquele inferno, toda uma história de requinte, beleza, aventura e muito...muito romance.
Lembrar estações é simplesmente crescer enquanto o planeta cumpre sua trajetória e sua missão. Os pássaros migram para regiões mais quentes, os peixes sobem rios brigando com as correntezas, as árvores ficam nuas, os campos se encobrem de gelo, as folhas secas são varridas pelo vento, o sol se distancia, a lua se enche de orgulho, o céu fica rosado, as árvores ganham pequenos talos e de repente, a vida se renova no desabrochar de flores coloridas enquanto nós, seguimos nesse turbilhão praticamente alheios ao que se passa diante do palpitar da Terra.
Muitos desaparecem do cenário enquanto outros vão chegando e desembarcando em suas estações de vida.
A aventura segue, com farmácias entupidas de gente querendo remédio contra gripe e resfriado, vendedores de cachorro-quente disputam as esquinas, os ônibus lotados partem e vão cuspindo pessoas por toda parte afinal; a noite será gélida e com toda certeza, promete muitas surpresas.
Confesso que o meu desejo era lembrar estações com um leve sorriso entre os lábios mas...quando me permito deitar e me enrolar em minhas cobertas enquanto vejo na tevê os escândalos milionários, penso de primeira em todos os que estão perdidos pela noite gelada, sem o que comer, sem onde se abrigar, sem com o que se aquecer.
Sim; Curitiba é a fria! Não no sentido do descaso pois, é sabido que as autoridades municipais fazem tudo o que é possível, principalmente ao longo dessa estação fria. Mas é muito pouco, seja aqui ou em qualquer outra cidade gelada. Verdade que a vida é assim, cruel em qualquer época. Os asilos e albergues lotados são a prova viva dessa crueldade social, onde todos temos alguma parcela de culpa.
Lembrar estações é só um desses instantes insanos que repentinamente acionam nosso despertar para a dura realidade que nos cerca, que vive diante da nossa janela, que nos prende entre grades e guardas armados. Sim; porque o outro lá fora, aquele que não teve as mesmas chances – ele é o lobo mau das nossas fábulas de estações infantis. Os outros lobos, os que detém pedigree com bom certificado pregado na parede, não estão nem ai para a vida cotidiana, nem para as estações, nem para o frio e muito menos para qualquer tipo de solução que possa amenizar os malefícios que impregnam a alma humana. Ah! Mas eles ressurgem repentinamente, fantasiados de cordeirinhos em busca de apenas um votinho seu!
Eles desembarcam na estação da seriedade falsa e distribuem tantas ilusões que qualquer mágico consegue perder o emprego e a ginga.
E a vida segue no chamado trem da alegria que certamente chegará a qualquer estação levando os que estão alheios a tudo e a todos. Mas eles também partirão um dia sem levar absolutamente nada.
Triste destino o deles... Podem ter certeza.
Lembrar estações não é piração ou coisa de maluco. Tá certo que tirei hoje do armário minha roupa de Napoleão mas, calma , foi só para afugentar as traças, extinguir o mofo e me preparar para as próximas eleições. Pode ter certeza de que serei mais um louco escolhendo , quem sabe, um novo bobo da corte a divertir os imperadores enquanto a maioria estará lotando estações e terminais na ferrenha disputa por essas migalhas cujos preços eles determinam conforme suas necessidades - digamos; assim tão básicas.
E como diria a moça da gravação do transporte coletivo:

“ Próxima parada...Estação Bom Senso!”
E que se faça o frio uma vez mais!....

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